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O ano de 1968 em cinco músicas da Tropicália


É curioso como o tempo não tem rosto até que alguém o pinte. Uma sensação não tem corpo até que alguém a desenhe. Assim pode-se dizer que era o Brasil em meados da tumultuosa década de 60: matéria em estado bruto. Melhor: uma revolução em potencial.


Ainda disforme e perdido na narrativa dos fatos, o país não se alinhava em um porto seguro. Enquanto a arte tateava os limites da própria militância política contra a nova ditadura, a sociedade civil não formava um retrato nítido que se acomodasse confortavelmente entre os fragmentos de possíveis futuros e a continuidade irrefreável do presente.


A situação se inflamava em esforços inúteis quando, em 1968, a geleia tomou forma - e tudo fez sentido. Sob os agravos de uma insistente repressão política e cultural, emergiu da terra a estranha Tropicália. Movido por uma antropofagia de incoerências urbanas e simbologias aguçadas sobre os novos tempos - tradicionais, porém se industrializando a largos passos-, o Brasil se inventou mais uma vez.


Embora o movimento já tivesse despontado de forma barulhenta nos festivais do ano anterior, foi em 1968 que os primeiros discos essencialmente tropicalistas saíram das gravadoras para começar a moldar um novo entendimento de cultura nacional. Sem lemas claros, estética ou palavras de ordem que o categorizasse facilmente no meio polarizado da música, o movimento vinha para mostrar que o buraco estava muito abaixo do que projetavam as canções de protesto de Geraldo Vandré.


O Mojique lista abaixo cinco músicas, todas lançadas em 1968, que desenham em linhas sutis o movimento encabeçado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Na leveza das crônicas e da ironia, pintaram como ninguém o subconsciente brasileiro.



1) "Eles" (Caetano Veloso)


Composta em parceria com Gilberto Gil e gravada com Os Mutantes, a música encerra o primeiro disco solo de Caetano Veloso. Embora menos reconhecida que suas irmãs famosas, a canção resume em si a estética experimental de guitarras e a crítica sutil dos tropicalistas, que miravam menos em inimigos concretos e mais no âmago complexo de uma sociedade marcada pela hipocrisia e o maniqueísmo.



2) "Ele falava nisso todo dia" (Gilberto Gil)



A música está no segundo álbum de Gilberto Gil, e conta a história de um rapaz que, obcecado com a segurança financeira e o futuro de sua família, acaba por morrer atropelado, ironicamente, em frente a uma companhia de seguros. Nas palavras de Gil, trata-se de "uma música de militância, uma investida contra a busca de toda a segurança burguesa, de todos os anteparos, armaduras e ações contra as intempéries da vida".



3) "Baby" (Os Mutantes)


Escrita por Caetano Veloso, "Baby" veio a se tornar uma das músicas mais emblemáticas do movimento tropicalista - um recorte leve, inocente e irônico da juventude brasileira na década de 60. Além de constar no disco-manifesto Tropicalia ou Panis et Circensis, cantada por Gal Costa, foi gravada nesta versão do álbum de estreia d'Os Mutantes.



4) "Parque Industrial" (Tropicália)



Como uma ode sarcástica ao desenvolvimento econômico do Brasil, "Parque Industrial" retrata, de certa forma, a sede moderna por consumo imediato - seja ele dos fatos, dos produtos comerciais ou da própria arte. A música, composta por Tom Zé e cantada aqui por Gilberto Gil, Caetano e Gal Costa, retrata também a incoerência do moralismo conservador da mídia.



5) "Glória" (Tom Zé)


Marcadamente o mais satírico dos tropicalistas, Tom Zé estreou sua carreira musical com um disco de críticas ácidas ao conservadorismo e às incongruências de uma sociedade que parecia viver à margem de seus próprios males, imersa em uma realidade fantasiosa de consumo e alegria. Em "Glória", o cantor ironiza a moral vacilante dos homens de negócios e das famílias ricas.

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